Ontem disseram-me que se estivermos a nadar por águas conhecidas mas sem nenhum rumo, e se pela força das ondas embatermos contra um paredão, nascemos de novo.
Voltei para casa a pensar nisto.
Quantas vezes não chocamos nós contra o tal paredão? Quantas vezes não somos nós sacudidos pela realidade? Certamente que muitas.
Mas o que fazemos é ignorar as feridas e voltar para as mesmas águas, para a mesma rotina. Optamos por esquecer. Não seria mais sensato sair daquelas águas? Se nos magoamos porquê continuar ali? Porque não vamos à procura de águas mais calmas? Eu respondo-vos: por comodidade. Dá muito trabalho mudar a nossa rota, dispende-se demasiada energia. Ficamos a flutuar junto ao paredão durante um tempo, como que atordoados, e depois pensamos 'não foi nada', e voltamos às águas sabendo que um novo embate é inevitável.
Só nos convencemos a procurar outras águas quando o choque contra o paredão é tão forte que ficamos embrulhados nas ondas e pensamos que é o fim. Aí, face ao poder da escuridão, encontramos uma nova força e esforçamo-nos por vir à superfície e procurar a praia. No nosso corpo já não há espaço para novas cicatrizes. É aqui que escolhemos nascer de novo.
Eu pareço estar pacientemente à espera de ganhar mais umas quantas cicatrizes. Talvez já não faltem muitas para reunir a coragem necessária para procurar a praia. Da última ferida vai resultar uma grande cicatriz, e começo a ficar com frio.