sábado, 15 de janeiro de 2011

O mendigo e o Cão


Na minha cidade vagueia um mendigo pela rua mais movimentada. Aquele tipo de rua onde as pessoas parecem correr em vez de andar; algo que não percebo visto o nome da rua ser “Rua das Montras”. É raríssimo ver pessoas paradas a perscrutar as ditas vitrinas que tanto trabalho dão aos lojistas.
Bem, mas não é de montras ou de pessoas que correm sem destino que vos quero falar. O meu assunto hoje é o Cão. O tal mendigo tem um companheiro de quatro patas que o acompanha diariamente nas suas jornadas ao longo da rua. O homem, que certamente é jovem na idade e velho na solidão, escolhe um cantinho e senta-se para encher a rua com a melodia da sua simples flauta.
Gosto de passar na rua e de o ver. Traz-me algum conforto ver que contínua ali, que não foi agredido, que não está mais magro ou que não morreu. Pode não ter muito sentido, mas é a verdade.
Mas o que me fascina é o Cão, que muitas vezes descansa a sua cabeça no colo do dono, numa atitude de aceitação pelo seu destino. Nunca encontrei o mendigo sem o seu companheiro. O Cão deita-se e espera pacientemente que o seu amigo ganhe dinheiro suficiente para uma refeição. Não se levanta, não vai explorar as redondezas, não procura companhia da sua espécie. Permanece imóvel, fiel.
O mendigo precisa dele e ele precisa do mendigo. O Cão precisa de alimento e carinho. O mendigo precisa de protecção e companhia.  É bonito. Talvez a amizade e a simbiose que une aqueles dois seres componha a montra mais bonita da rua, pelo menos na minha opinião.
Mas se assim não for aquela união constitui, certamente, a montra mais verdadeira.


4 comentários:

  1. Engraçado quando na minha primeira incursão às Caldas, estava eu calmamente a passear pela 'Rua das Montras' com o meu cúmplice e vejo um mendigo, uma flauta e um cão... Pensei logo: "Este é o mendigo da Catarina!"...

    Já te tinha dito mais do que uma vez que adoro a tua escrita... vem directa ao coração sem passar pela casa do cérebro e receber 2mil escudos (como se um jogo de Monopólio se tratasse)!

    Gosto do companheiro do mendigo ser tratado sempre com letra maiúscula... porque no fundo é também ele um mendigo... mas contrariamente ao que seria de esperar, nenhum dos 2 é esquecido por ti... um só faz sentido se tiver o outro e vice versa... E olha que eu sei que todos os que vivem desta forma são ignorados pelo resto da sociedade (os tais que correm em vez de andarem)...

    Apetece-me perguntar, estaremos nós numa sociedade virada do avesso em que os verdadeiros cães andam de corpo erguido, sobre duas patas e em vez de pararem para ver o seu semelhante seguem compenetrados na sua vidinha...?

    No fundo, quem é que é o mendigo desta história toda? O teu mendigo é rico: tem o seu Cão... e tem também um bocadinho de ti! Fica-me a faltar conhecê-lo e conversar com ele!

    Para uma próxima!

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  2. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  3. É por estas e por outras que não suporto ouvir falar mal destes simples animais de 4 patas! Eles não abandonam o seu amigo, enquanto que aqueles que se erguem em 2 "patas", num simples fechar de olhos viram-nos as costas... De verdade, este mendigo tem muita sorte. Tem alguém que não o abandona apesar das adversidades a que a vida o submeteu!

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  4. Isto vai para o meu facebook não tarda nada. Devidamente identificado, é claro. Gostei muito. Breve, belo e certeiro!

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